Por: Liliane Moreira

 

Ainda que conseguíssemos ler todos os relatos e ver todas as imagens dos prisioneiros nos campos de concentração nazistas, jamais chegaríamos perto de saber o que eles sentiram ali. Há relatos de que as pessoas se jogavam nas cercas elétricas, por não terem esperança de sobrevivência num local onde muitos morreram já nas primeiras 24 horas de prisão, devido à água contaminada que bebiam e  aos alimentos estragados que tinham que consumir.

 

Mas a questão é: por que nem todos decidiram morrer?

 

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Na visão do psiquiatra vienense Viktor Frankl (foto acima),  decidiram viver os que tinham sentido na vida. E ele pode falar em causa própria, pois foi prisioneiro de quatro campos de concentração, incluindo o mais temido deles, o Auschwitz, na Polônia. Ficou preso durante 38 meses e foi um dos que decidiu viver. “Enquanto não houver 100% de chance de eu morrer, eu viverei”, disse a si mesmo. E foi lá que a teoria que ele havia iniciado antes de ser preso tomou forma. Dos rascunhos do livro “Em busca de sentido” nasceram a Logoterapia, o estudo do sentido.

Frankl saiu da prisão aos 40 anos de idade e morreu aos 92. Dedicou, portanto, 52 anos a este estudo que sustenta que não importam as circunstâncias, todos nós podemos mudar nossa história e nos responsabilizarmos pelo bem estar do outro. Mas o que isso tem a ver com o trabalho? Segundo Frankl, temos que buscar o sentido em tudo o que fazemos e isso passa pelo trabalho.

 

Aproveitando a oportunidade de este ano São Luís (MA) sediar o VIII Congresso Brasileiro de Logoterapia e Análise Existencial, organizado pela Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial, o Amo Meu Trabalho foi conversar com a presidente da Associação de Logoterapia Viktor Frankl (ALVEF), a psicóloga clínica e educacional Sheila Rabuske. No Congresso, ela falou sobre “Orientação vocacional centrada no sentido”, um tema que pode ajudar muitos jovens a encontrar seu caminho profissional.

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Sheila é especialista em Logoterapia e falou aqui sobre vocação e também sobre a diferença entre o sentido da vida e o sentido na vida. Leia e veja se faz sentido para você.

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Amo Meu Trabalho- Viktor Frankl passou três anos nos campos de concentração nazista, sem poder sair. Sob forte pressão, conseguiu fortalecer sua tese que defende a busca pelo sentido da vida, concluindo, inclusive, seu primeiro livro sobre o assunto. Fazendo um comparativo com os profissionais que se sentem presos onde não gostariam de estar e de onde não podem sair por precisarem do salário, como esses profissionais, que estão no seu limite, poderiam agir como Frankl para encontrarem um sentido nessa situação?

Sheila Rabuske– Muito bom analisarmos isso, imaginando que o Frankl esteve em quatro campos de concentração e que viu os dois lados extremos do ser humano. O lado perverso, doente, de egoísmo, e o lado santo, pois ele viu prisioneiros que deram ao companheiro o último pedaço de pão que tinham. Mas também viu outros prisioneiros que tomavam conta das celas serem mais perversos que os próprios nazistas. Ele viu um comandante nazista de seu campo tirar dinheiro do bolso para comprar remédio para prisioneiros. Então, constatou- se que as condições não fazem a pessoa.  Veja que bonito o que Frankl disse e que é o foco da Logoterapia: “Na nossa vida nós dependemos mais das nossas decisões do que das nossas circunstâncias”. Nós podemos escolher até como vamos lidar com o sofrimento e a adversidade.

"Dependemos mais das nossas decisões do que das nossas circunstâncias”

Mas, voltando à sua pergunta, todos nós temos nosso campo de concentração. Hoje, os campos são outros, mas vivemos aprisionados em muitas prisões, em muitas câmaras de gás, em muitos arames farpados e eletrificados, e nós precisamos tomar uma decisão de como vamos sair desse campo. Nos campos nazistas, eles não tinham escolha para sair, mas podiam escolher como queriam morrer.

Numa situação angustiante do trabalho, o melhor a fazer é parar e pensar que tudo vai passar. Não é se conformar, mas é tomar atitude de dizer: é uma época difícil, mas qual seria a melhor maneira de passar por este momento amargo? Então, é a hora de pedir ajuda, de escutar a voz da consciência e partir para a ação. Na concepção de Frankl, se a vida tem sentido, o sofrimento também tem. O problema é que só vamos entender isso lá na frente, depois que nos perguntarmos para quê passamos por isso. Então, numa situação extrema no trabalho, ache o sentido daquilo, dizendo, por exemplo: “Eu estou nesse trabalho de que não gosto, está difícil suportar, mas vale a pena porque com ele eu consigo levar comida para dentro de casa. Tem um sentido eu levantar da cama e vir para cá todos os dias. Enquanto busco um emprego melhor, vou realizar da melhor maneira possível tudo me cabe fazer aqui, pois posso encontrar um sentido nessa espera do melhor”.

“Numa situação extrema no trabalho, ache o sentido daquilo, dizendo: vou realizar da melhor maneira possível tudo o que me cabe fazer aqui, pois posso encontrar um sentido nessa espera do melhor”

AMT- Então, o sentido pode ser apenas o salário, o material?

Sheila– Uma coisa é o sentido da vida, que inspira a nossa busca, que a gente nunca vai encontrar totalmente, mas que nos dá aquela certeza de que estamos plenos. Mas tem o sentido do momento, o sentido na vida. Em cada circunstância, eu posso achar sentido.

AMT- Podemos descobrir, então, vários sentidos durante a vida?

Sheila- Sim, eles vão mudando conosco. A gente tinha um quando era criança, outro na adolescência e assim vai. O sentido já está posto no mundo, eu tenho que encontrá-lo. Ninguém pode me dizer qual é o meu sentido.

AMT- Como identificar que é o sentido mesmo ou um desejo apenas?

Sheila– Frankl dizia que quando a gente está no caminho do sentido, a vida ajuda. As coisas vão acontecendo. Mas, claro, até você achar isso demanda uma expectativa, uma ansiedade. Não tem como você decidir sem ansiedade, não tem como você decidir sem pessoas darem palpites. Mas você tem que estar firme de procurar o que é o melhor para você. Isso dá uma tranquilidade na hora em que você decide. Mesmo que todos critiquem, alguma coisa dentro de você diz que é este o caminho. Mas é um processo e que passa por fases.

“Frankl dizia que quando a gente está no caminho do sentido, a vida ajuda. As coisas vão acontecendo”

AMT- Quais são essas fases?

Sheila- Tomada de consciência da situação, inquietação, ansiedade, choro, sofrimento, sintomas psicossomáticos em pessoas mais sensíveis e até perda de peso noutras. O segredo é se acalmar dizendo para você que você quer encontrar o sentido.

AMT- Quais os mecanismos que podemos acionar para despertar essa identificação?

Sheila- Um deles, e que todos podem começar hoje mesmo, é o sonho. Na Logoterapia, o estudo de sonhos é diferente do de (Sigmund) Freud e do (Carl) Jung. Eles defendem que os sonhos são a não-realização de nossa necessidade. Que o sonho gratifica você por algo que você não tem. Mas, para a Logoterapia, o sonho é uma manifestação do seu inconsciente espiritual, e aqui tomo muito cuidado com essa palavra, pois não tem a ver com religião mas com a intuição, a sensibilidade, o senso estético, a ética, o melhor da gente mesmo. O sonho é povoado disso, e, por isso, não podemos pegar manual de sonho que diz que sonhar com fogo significa tal coisa. O sonho é uma manifestação do inconsciente de cada um, então o fogo que vem para você é diferente do fogo que vem para mim, tem a ver com a sua história.

É interessante analisar diariamente os sonhos. Ter um caderninho ao lado da cama e anotar logo que acorda, para não esquecer depois. Quando queremos tomar uma decisão, vale analisar por uns 10, 15 dias o que os sonhos estão dizendo, porque eles podem ajudar. Você vai perceber algumas coisas se repetindo em vários dias e pode se perguntar o porquê. Não é ninguém que vai te dizer, você terá a capacidade de identificar porque está tendo tal atitude no sonho, encontrando tal pessoa. O que será que isso tem a ver com a sua vida hoje, agora? O que será que está precisando aprender, melhorar? Às vezes, acontece de uma coisa passar despercebida por você durante o dia, mas que você deveria ter prestado atenção. Muitas vezes, um outdoor, uma revista na banca, chama nossa atenção e ali pode conter alguma coisa que você precisava saber. O inconsciente quer o melhor para você. Se  você não prestou atenção, o sonho traz para você.

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AMT- Como termos a certeza se quem está comandando é o consciente ou o inconsciente?

Sheila- Isso é bem importante porque na Logoterapia a gente consegue distinguir duas consciências- a tradicional, que nos fala quem a gente é, onde estamos, se é dia, noite. E tem a consciência de cunho existencial, que é a voz da consciência. Se formos conversar com a tradicional, estaremos conversando com nossos complexos. Geralmente, ela pede para não nos desafiarmos, para deixarmos para lá algo novo que pensamos fazer. Mas aquela conversa dentro de você que “lembra” daquele projeto que você queria fazer mas desistiu é a voz do sentido.

AMT- Uma das críticas do Viktor Frankl é sobre o que ele chamou de “pensamento aprisionador”.  Como não pensar, se estamos analisando tudo o tempo todo?

Sheila- Ele critica aquele pensamento que você não consegue parar de pensar e que está fazendo mal. Então, na hora você tem que dizer “Chega!”. E aí, levanta, vai tomar uma água, faz uma leitura, um passeio, para que você possa determinar que buscará uma saída, que não quer ficar preso a este complexo. O Jung dizia que não é a pessoa que tem um complexo, é um complexo que tem a pessoa. Você tem que sair dessa situação. Na Logoterapia, a gente chama isso de autodistanciamento.

Quando você vai ao dentista fazer um tratamento de canal, doído, se você ficar pensando naquela agulhinha lá dentro, você sairá gritando. Então, o que você faz? Procura pensar noutra coisa, não é? Pois então. Podemos pensar se não teria outro pensamento para substituir aquele que está aprisionando nossas ações. Outro recurso abordado por Frankl é a “máxima do enfrentamento”, algo que bata de frente.  Tem pessoas que repetem uma frase, um salmo.

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Ele usava isso no campo de concentração. Em Auschiwitz, por exemplo, a probabilidade era de que as pessoas morressem nas primeiras 24 horas, devido à diarreia decorrente da água suja que bebiam. E eles deixavam bem claro quem mandava ali. Todos tinham que andar de cabeça baixa. Eram muito humilhados e até desejavam a morte. Mas Frankl, no primeiro dia, depois de ver os prisioneiros se jogando nas cercas elétricas, juntou suas duas mãos e disse para si: “Eu não vou me jogar na cerca”. Ele dizia que enquanto não tivesse 100% de certeza de que iria morrer, tentaria aprender alguma coisa com aquilo, tentaria ajudar as pessoas e tentaria não morrer.

“Aquela conversa dentro de você que lembra daquele projeto que você queria fazer mas desistiu é a voz do sentido”

AMT- Outro ponto defendido por Frankl  é que não devemos “centrar nos resultados mais que no processo para não afastar-nos daquilo que pretendemos”. Mas eu pergunto: o que fazermos com as metas das empresas, com foco no resultado? E também com a proposta de termos uma visão do que queremos, tão amplamente defendida por muitos coaches, por exemplo?

Sheila- O problema de ficarmos de olho no resultado é desvalorizarmos o processo. É isso que Frankl criticava. E cada vez mais nossos jovens estão assim. Já reparou que o jovem não quer mais saber do processo? Ele quer começar o curso de Engenharia e no primeiro ano discutir de igual para igual com o professor, quer logo começar a trabalhar, a fazer obra. Na questão das metas, sim, precisamos tê-las, mas termos a consciência de cada momento que vivermos para chegarmos lá. Se você entrevistar pessoas que chegaram lá, vão dizer que foi difícil chegar, que demandou muito esforço, muita angústia, então, a ideia é saber aonde vai chegar, mas saber que existe diferença entre expectativa e possibilidade.

Se você empregar expectativa para o resultado, qualquer desvio no processo será frustrante. Mas pense quando você faz uma viagem. Quase nunca ela sai tal como você planejou. E, geralmente, esses imprevistos provocam situações maravilhosas. Se você coloca expectativa para passar no vestibular e você não passa, qual é o fim? Frustração. Agora, se você encarar passar no vestibular como uma possibilidade e não passar, você vai dizer que não foi possível desta vez, mas ainda continua sendo uma possibilidade. E talvez, lá na frente, quando vier a passar, verá que lá atrás não era a hora mesmo de ser aprovado.

"A ideia é saber aonde vai chegar, mas saber que existe diferença entre expectativa e possibilidade. Se você empregar expectativa para o resultado, qualquer desvio no processo será frustrante"

 AMT- Ele também aborda a questão dos valores pessoais. Como gerenciar a expectativa quando esses valores são conflitantes com os da empresa?

Sheila- Existe a expectativa da empresa e a expectativa do trabalhador. Quando você for escolher uma empresa para trabalhar você tem que ver para quem você estará trabalhando, a quem estará servindo. Quem renuncia a seus valores não chega a lugar nenhum. Na entrevista de emprego, você já tem que saber o que esta empresa faz, em que contribui para a sociedade, quais são os meios que ela utiliza. Pesquise na internet e imagine-se atuando lá, mas faça isso antes de entrar, pois passar por conflitos diários pode causar até adoecimento. E, muitas das vezes, o profissional continua trabalhando sem perceber que está doente. É melhor a prevenção.

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AMT- Fico pensando que escolhemos nossas profissões com análises tão superficiais, não acha? Tipo: se eu gosto de escrever, serei jornalista. Gosto de bicho, serei veterinária. Como identificar que a profissão escolhida é a que terá mais sentido para mim?

Sheila- Foi justamente analisando as escolhas dos jovens, pautadas no que gostam de fazer, que me levou a desenvolver o projeto de orientação vocacional. E faço questão de dizer vocacional, não profissional. Vem do latim- vocare (chamar). A que estou sendo chamado no mundo? Escutar a voz da sua consciência. Quando você pergunta a um jovem do Ensino Médio o que ele quer fazer e ele diz que está perdido, ele está certíssimo. É uma decisão muito séria para ele, talvez umas das primeiras, principalmente pela educação hoje onde os pais privam o filho de qualquer frustração, poupam de tudo, mas aí querem que o menino decida para o resto da vida.

E a pergunta que fazem para ele é “o que você gosta de fazer?”. O que você está passando para este jovem? Que você tem que achar uma profissão na qual você só faça o que você gosta. Mas isso não é real. O projeto é para desmitificar isso, é orientação para uma decisão baseada no chamado. Lidamos sempre com o que Frankl fala: liberdade e responsabilidade. Primeiro, respeitando a história dele, por onde ele anda. E sempre dizendo para ele que escolha é sofrimento. Para você escolher, você tem que ter ansiedade. Quando o jovem apresenta ansiedade, normalmente as pessoas criticam, querem acabar com aquilo rapidamente sem resolver nada. Não! Como escolher sem ansiedade? A gente tem que dizer que ele pode lidar com a ansiedade, que a ansiedade vai fazer com que ele decida melhor. Ele tem que saber que ansiedade faz parte de qualquer escolha, e que bom que ele não está aceitando tudo de bandeja!

Quando o jovem apresenta ansiedade, normalmente as pessoas criticam, querem acabar com aquilo rapidamente sem resolver nada. Não! Como escolher sem ansiedade?”

 AMT- As escolas deveriam fazer esse tipo de orientação?

Sheila- Sim. O ideal seria que isso foi feito nas escolas. Durante 22 anos eu trabalhei com jovens de Ensino Médio em Curitiba (PR). Dividia o processo em grupos e trabalhava nos três anos. O primeiro passo é acolher o jovem, fazer com que ele saiba que a ansiedade é natural. Aí vem a primeira fase da orientação vocacional, que é a Exploração. É quando ele vai além da família e vai explorar o mundo, ver o que tem ao redor dele, ver o que o mundo está pedindo dele. Depois, vem a fase Cristalização. Agora que explorou tudo, ele vai cristalizar o que quer. E, por fim, a fase Especificação. No meio de tudo o que viu, ele vai especificar o que ficou nele. É lindo esse processo, pois eles saem daquela posição envergada, coluna arriada, para uma posição de segurança e até estudam melhor.

AMT- A sra. já encontrou com os profissionais que orientou enquanto alunos?

Sheila- Ah, sim…Recebo muitos feedbacks de ex-alunos. Teve um caso de um que nasceu com problemas no ouvido e na boca. Ele tinha muita dificuldade para falar e ouvir. Tinha 14 anos quando chegou ao colégio, e desde a primeira infância passou por muitas cirurgias. Era um menino muito sensato, estudioso, tocava violão, jogava vôlei, mas sofreu bastante. Fizemos um trabalho dos 14 aos 17, mas ele chegou com um receio muito grande. Ele achava que queria fazer Medicina, mas não sabia se a escolha era para poder ajudar as pessoas, devido ele ter passado por tantos médicos, ou apenas porque seu pai e seu avô eram médicos.

O mais pesado para ele era que carregava o mesmo nome do avô, que havia sido um médico espetacular. Veja a carga sobre o menino. Ele achava que teria que ser tão bom quanto o avô. Fizemos este trabalho e, ao final do processo, ele se convenceu de que queria mesmo ser médico. Anos depois eu tive um problema de cálculo renal e fui parar no pronto-socorro. Quem veio me atender? Ele, médico. Eu quase pulei da cadeira! (risos). Ele veio com todo carinho, me abraçou e disse que não acreditou quando viu meu nome na ficha. Na hora da alta, ele perguntou se eu ainda fazia o trabalho de orientação vocacional. Eu disse que sim, e ele então disse: “Eu lembro o dia, a hora, a roupa que você estava quando concluímos o trabalho e você disse que eu seria um bom médico. Hoje, estou com 15 anos de formado e muito satisfeito com minha escolha. Continue, porque me ajudou bastante”.

“É lindo esse processo com os jovens, pois eles saem daquela posição envergada, coluna arriada, para uma posição de segurança e até estudam melhor”

 

AMT- Isso foi mais que um prêmio para você, não?

Sheila- Com certeza! Uma outra história que lembro agora é a de uma menina que queria fazer Belas Artes. Ela disse que os pais não queriam que ela fizesse o curso porque seria uma “simples professorinha”. Aí, começamos o trabalho, chamamos os pais também, e ela decidiu fazer mesmo Belas Artes. No dia em que me despedi dela, eu pedi que me avisasse quando fizesse a primeira exposição, pois gostaria de estar presente para receber um autógrafo. Uns dez anos depois, ela foi ao consultório e me perguntou se eu lembrava do que havia dito sobre a primeira exposição e me disse: “ É hoje!”.  Nossa, eu chorava de emoção…Era um centro de exposição enorme e era uma mostra apenas com os trabalhos dela. Veja a capacidade que temos! Aonde ela pôde chegar! Fico emocionada quando lembro dessas histórias…

AMT- O que a família pode fazer para despertar a vocação da pessoa?

Sheila- É importante provocarmos as crianças, perguntando o que elas gostariam de ser quando crescerem. Mas elas não vão parar na primeira resposta. Que seja chamada a atenção delas para muitas profissões, tipo: “Veja como é bacana aquele tio ali cuidando dos dentes das pessoas”, “Nossa, se não fosse aquele tio ali impando a rua, imagine a sujeira que teria…” Ou seja, sempre dizendo que o trabalho é importante, que toda profissão é importante e que é um serviço. E não se preocupem com as modinhas. Elas podem dizer agora que querem ser YouTubers. Deixem que falem. Não reprimam, pois elas ainda vão mudar muito. Só completem dizendo que para ser YouTuber, jogador de futebol, a moda que for, eles têm que estudar bastante, para que não pensem que é só ficar brincando na internet ou de bola.

"No dia em que você disser: eu me responsabilizo por quem eu sou e onde estou, aí, sim, você é protagonista de sua vida"

AMT- O que a sra. orientaria para que agíssemos com mais responsabilidade por nossas escolhas?

Sheila- Liberdade e responsabilidade andam de mãos dadas e uma é a sombra da outra. Não podem viver separadamente. A liberdade na Logoterapia não é uma liberdade de, mas, sim, uma liberdade para. A gente não é livre de muitas coisas, no país que a gente nasceu, na família que a gente teve, mas a gente pode sempre ser livre para enfrentar e fazer as escolhas da gente. Essa é a verdadeira liberdade. E se eu lido com minha liberdade, tenho que responder pela minha liberdade, porque responsabilidade vem do latim respondere (responder). Responder pelas escolhas e opções que eu fiz. Se eu errei, eu tenho que dizer que errei. Vou voltar atrás, vou recomeçar. Isso é responsabilidade. É ser autor daquilo que fez.  No dia em que você disser “eu me responsabilizo por quem eu sou e onde estou”, aí, sim, você é protagonista de sua vida.

AMT- Isso é ser adulto…

Sheila- Isso é ser adulto. Eu sempre digo que ser adulto é sair do papel de filho. É ser seu próprio pai e sua própria mãe.  Essa ideia me lembra (Friedrich) Nietzsche, quando afirma “Quando não se tem um bom pai, é preciso criar um”.