Costumo anotar os casos de respostas atravessadas que recebo como cliente. Estão na gaveta dos projetos loucos. Neste caso, seria um livro com o título “Odeio meus clientes”. Queria entender o que passa pela cabeça dessas criaturas estranhas que precisam de seus clientes mas vivem a tratá-los mal em vez de encantá-los.

Uma vez, em pleno centro turístico da minha cidade, entrei numa lanchonete e pedi um suco de bacuri – fruta regional muito usada para sucos e doces deliciosos. O gentil cavalheiro que me atendeu respondeu: “Com leite, né?”. E eu ,que não gosto de vitamina, respondi: “Não, senhor, só com água mesmo”. “Aaaah!!! Mas suco de bacuri sem leite não presta. Vou botar leite, sim!”. Hã? Como assim, vou botar leite, sim? Eu (no caso), a cliente, (no caso) a pagante, não gosto de suco com leite. Prefiro sem leite, ainda que seja ruim, horrível, péssimo, ok?. “Aqui a senhora não vai tomar suco ruim de jeito nenhum!”, disse o estranho. E fez o suco com leite. Sim, eu paguei e tomei o que não queria, com medo de morrer com sede..

suco de bacuri

Noutra vez, presenciei uma situação constrangedora. Estava com um amigo que tinha problema de estômago e que adorava cerveja. Sob hipótese alguma, ele cogitou abolir a cerveja do fim de semana. Preferiu pedir orientação ao médico sobre uma forma menos penosa de atacar seu estômago. O médico sugeriu, então, que ele colocasse gelo na bebida, a fim de deixá-la mais “leve”. E assim ele passou a fazer. Se cerveja aguada é ruim, o problema é de quem vai bebê-la, né não? Né não.

Um belo dia, chegamos a um bar muito bem decorado, música boa. Show de bola. Meu amigo pediu a cerveja e o copo com gelo. A garçonete trouxe a cerveja, apenas. Como o gelo demorou para vir, ele foi ao balcão pedir o que faltava. “Para que você quer gelo?”, perguntou o quase inglês dono do bar. Ouviu as razões e soltou fogo pelas ventas: “Aaaaah, taí, agora!!! Como é o nome desse médico?”, gritou o diferentão, discípulo do príncipe William. Não satisfeito, virou-se para TODOS os fregueses do bar e apontou para o meu amigo. “Veja só, pessoal! O médico deste aqui receitou cerveja com gelo para proteger o estômago! Só faltava essa! Se virem você tomar cerveja com gelo no meu bar, vão dizer que a cerveja tá quente. E meu bar é referência pela cerveja gelada. Se quiser tomar com gelo, vai ter que pagar a mais por ele”. Acredite. Foi assim mesmo que aconteceu. Tive vontade de virar Hulk, mas tal como engoli o suco de bacuri com leite, engoli a raiva e sem gelo. E usamos apenas a arma do consumidor. Pagamos, saímos e nunca mais voltamos ali.

PRESTADORES DE SERVIÇO! APRENDAM COM WALT DISNEY!

O descaso pelo cliente alastrou-se como zika, contagiando, além de garçons, prestador de serviço, motorista, gerente de banco, empregada doméstica, cabeleireiro, vendedora de tupperware…

No caso de prestador de serviços com contrato a longo prazo, é comum o cliente ser bem atendido até o primeiro dia 05. Do segundo mês em diante, o contratado já não encontra tempo para reunir com o contratante. Inversão de papeis? Analise comigo o seguinte caso real. O cliente solicitou uma reunião importante, e recebeu como resposta o afago: “Não temos a menor condição de falar com você hoje. Temos uma reunião agendada para assinar um novo contrato, e no resto do dia estamos atolados de coisas de outros clientes para fazer”.
Caetano

Alguma coisa está fora da ordem mundial, não é, Caetano?

E você, na posição deste cliente, como reagiria? Além de o prestador deixar claro que não tem tempo para você, por estar em busca de um novo cliente, ainda diz que sua senha está bem longe na fila de prioridade. É certo que ninguém é obrigado a atender a quem não quer. Mas por que aceitou o trabalho? Para exibir mais uma marca no portfólio? Para atrair outros contratos, até atolarem-se todos? O que você acha que vai acontecer a quem age assim? Quanto tempo ficará no mercado? E se ficar muito tempo, qual imagem terá? Será que sua marca atravessará décadas? Mas será que ele está preocupado com isso?

Queria mesmo saber o porquê desse comportamento. Será por falta de educação básica ou de formação profissional? Será que é resquício da escravatura? Será que sentem-se humilhados enquanto seus clientes (senhores de engenho) bebem e eles (escravos) trabalham? Será que é por isso que alguns bancários adoram o senhor da conta grande e odeiam a senzala da poupança de 50 reais? E nos guichês de estacionamento de shopping? Será que foram trabalhar de ônibus e, por isso, decretaram o fim do “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite” a quem tem carro? Só Darcy Ribeiro poderia explicar. Mas vale a reflexão. Você está agindo como se odiasse seu cliente?

Gosto muito de histórias de líderes visionários e que provam que o caminho é um só. No topo da minha lista está Walt Disney e sua filosofia de encantamento ao cliente.

Uma das histórias marcantes para mim sobre a Disney World é a seguinte: uma família, com três meninas pequenas, hospedou-se no hotel do complexo. Na manhã seguinte, a família saiu para o passeio e deixou os ursinhos de pelúcia das crianças. Ao retornarem, no final do dia, encontraram ao redor da mesa os três ursinhos de pelúcia sentados com bolinhos e leite colocados diante deles. Como você imagina a expressão das crianças ao entrarem no quarto?

biscoitos disney

Na noite seguinte, elas insistiram com os pais para voltarem logo ao hotel. Ao abrirem a porta do quarto, os ursinhos estavam na cama “lendo” as revistas de Mickey Mouse.

ursinhos lendo

Na terceira noite, as garotas encontraram seus ursinhos de novo na mesa, mas como se estivessem jogando cartas. E assim elas foram surpreendidas até o dia de irem embora. A cada dia, um encantamento. E quem tem filhos sabe que não existe alegria maior do que vermos a alegria dos filhos. Ou seja, conquistaram a família toda! E o investimento foi alto? Rosquinhas e leite? É impossível fazer numa empresa pequena? Você acha que a turma do hotel da Disney odeia seus clientes? Ou quiseram associar uma sensação de bem estar dos hóspedes ao negócio deles? Para quantas pessoas você imagina que esta família contou essa história, multiplicando os potenciais clientes do hotel?

walt disney

Pela filosofia do Walt Disney, todos os funcionários são “membros do elenco” que fazem o show acontecer. Ele dizia: “Todo funcionário é a empresa na mente do cliente”. Não é por sorte que a Disneylândia é sucesso há 60 anos!

O que podemos aprender com negócios de sucesso é observar como agem seus líderes. Podemos, sim, adaptar para a nossa realidade atitudes de empresas gigantes como a Disney. Imaginarmos parte de uma orquestra, onde todos os músicos (empregados, prestadores de serviços) estão ensaiados e afinados, dando o melhor de si (criatividade, atenção), sob a regência de um maestro (mentor, gerente, líder) para encantar a plateia (clientes, consumidores finais).

Não deve haver prazer maior para uma orquestra quando ao final do espetáculo, como num rompante de hipnose, todos levantam-se ao mesmo tempo e aplaudem efusivamente de pé. É o prazer da sensação de missão cumprida, da recompensa pela entrega total no agora de cada música. O mesmo prazer que a camareira deve ter sentido em cada quarto que foi, imaginando a surpresa de cada criança. O mesmo prazer que o cliente sente quando pede um café e vem um chocolatinho de brinde; o mesmo que tenho há anos, toda semana, quando vou buscar meu cachorro no pet shop e ele surge com uma gravatinha diferente. O mesmo quando a empregada doméstica da minha casa fez meu prato favorito no meu aniversário, sem eu desconfiar de nada. O mesmo que sinto cada vez que escrevo para você, imaginando se você vai viajar comigo na história…

É possível, sim, entregarmos nosso melhor no nosso trabalho. Se não sair perfeito, que fique claro ao nosso cliente que não foi por falta de esforço, de vontade, de gentileza. Gentileza em qualquer situação, até com gelo e sem leite.