O jornalista Aurelio Carvalho tem treze anos de profissão, conquistou prêmios por suas reportagens, entre eles o Prêmio BNB de Jornalismo, pela matéria “Pequenos Empréstimos, Grandes Negócios”, e passou por várias áreas da Comunicação no Maranhão: jornal, revista, assessoria de imprensa, assessoria de comunicação e relacionamento com comunidades. Conhecido por seu altíssimo astral, nos últimos anos ele estava bem diferente.  Sem as gargalhadas frequentes, sem projeto criativo, que é sua outra forte habilidade, funcionando no botão automático e, pior, com picos de aceleração cardíaca. Resolveu fazer um check-up e jamais imaginou receber este diagnóstico: Síndrome do Pânico…Em pânico, leu tudo sobre o assunto, fez consultas, curou-se e, em vez de voltar à rotina, continuar a viver a vida sem grandes alegrias, mas também sem sobressaltos, ele surpreendeu a todos ao virar a página da vida que estava levando. E começou pelo pedido de demissão de uma grande empresa, dessas que, para garantir uma vaga, muita gente faz até promessa para Nossa Senhora das Causas Impossíveis. Ele não só estava numa empresa grande dessas, como também detinha a confiança dos gestores, a ponto de ter lançado um livro com estórias engraçadas da companhia.

Há um mês, ele abriu mão desse emprego para buscar outro tipo de vida. Passou a dar aulas de Português em cursinhos e está estudando para prestar vestibular para Medicina. Para quem não o conhecia bem, parece que é um novo Aurelio que nasceu. Mas ele garante que este é o Aurelio verdadeiro, e que só estava adormecido. A seguir, ele conta ao Amo Meu Trabalho como fez para acordar e os ganhos e perdas da sua decisão.

Entrevista valendo
“As suas asas, quem dá é você!”

Você estava numa empresa sólida, mas este ano decidiu sair para arriscar outros caminhos. O que impediu você de sair antes foi o receio da crise econômica no país ou você ainda não havia despertado para a mudança de rota?

Questões econômicas pesaram, sim, mas não foram fundamentais. A minha demora em ‘chutar o balde’ foi mais em decorrência dos espasmos de esperança que eu ainda tinha, de tentar reverter o que eu fazia dentro da empresa. Mas chegou uma hora em que a linha do limite foi ultrapassada. Fui diagnosticado com Síndrome do Pânico, e aí não tive outra saída: fiz todo o tratamento necessário e quando recebi alta, pedi demissão. Tomei essa decisão somente após estar totalmente curado e com plena consciência da atitude que eu estava tomando.

 O que o fez despertar? Havia algo que incomodava você, a ponto de questionar se aquele era o seu caminho?

Claro que havia. Eu estava completamente infeliz. Minha rotina era robótica. Minha criatividade foi podada. Virei replicador de ideias alheias. E quando me dei conta disso, caí fora. E isso nada teve a ver com gestão.  Pelo contrário, minha líder me deu a mão para que eu pudesse atravessar o outro lado e ir ser feliz.  O que me incomodava era o padrão da Comunicação. Não era isso que eu queria para mim.

Você é um jornalista que recebeu prêmios por suas reportagens de jornal impresso, no início da carreira. Depois, migrou para a assessoria de imprensa, assessoria de Comunicação e agora ensina Português para concursos. Você identifica interseção nas melhores escolhas que já fez?

Sim, acho que todas as vezes que passei de uma etapa para outra na profissão, sempre levei os erros e acertos do emprego anterior, na tentativa de não perder os meus referenciais. Hoje, por exemplo, não tem sido diferente: o que mais faço é tentar me comunicar da forma mais honesta possível. Isso porque o exercício da docência exige uma comunicação de mão dupla. Felizmente, tenho conseguido  fazer das minhas aulas um processo democrático. Não sou dono da verdade. Ouço cada aluno e respeito as mais diversas opiniões. Ora, se eu estou vindo de um processo de comunicação o qual eu considerava unilateral, na maioria das vezes, não faria o menor sentido eu ter mudado a rota da minha vida, para fazer dos meus alunos apenas uma plateia atenta, porém, muda.

Eu perguntei isso, porque especialistas dizem que se tivermos dúvidas sobre nosso talento é só pesquisarmos o que gostávamos de fazer na infância, adolescência. Parece que isso se aplica a você também, já que você optou agora por trabalhar novamente com textos. Você concorda com essa tese de que sabemos desde cedo nossa vocação maior?

O que eu acho é que a gente não sabe de nada. Somos criados para responder perguntas do tipo “O que você quer ser quando crescer?”, e aí vem a vida e dá uma rasteira naquela nossa resposta do passado. Eu nunca tive dúvida de que queria ser jornalista, como também nunca me limitei à ideia de que a gente só pode ser apenas uma coisa, uma unidade. Se hoje estou trabalhando com textos é porque hoje eu amo trabalhar com textos, e pronto. Amanhã eu posso não querer escrever um bilhete, e ainda assim, isso me fazer feliz. Depois de tudo que passei, a minha ideia de felicidade não se encontra em sumário de livro nenhum. Se estiver, terá várias edições, pode ter certeza.

"O estopim veio quando passei a acordar e a me perguntar por que eu estava aceitando passar a maior parte do dia fazendo o que não me deixava mais feliz"

Quando você decidiu mudar, trocando um emprego “estável”, obteve mais apoio ou críticas negativas? Como lidou com isso?

A frase que mais ouvi foi: “Tanta gente querendo estar no seu lugar e você jogando tudo pro alto, assim, do nada”. O problema é que não foi ‘do nada’ que tomei essa decisão. Nos últimos três anos  comecei a dar sinais de insatisfação na minha carreira. Mas eu não sabia o que fazer. Eu não tinha um Plano B. O estopim só veio mesmo quando passei a acordar todos os dias, e a me perguntar por que eu estava aceitando continuar passar a maior parte do dia, fazendo o que não me deixava mais feliz. Conversei com meus  familiares e eles disseram que só queriam o meu sorriso de volta, ainda que fosse sem contracheque. Isso eu nunca vou esquecer.

Como foi que traçou seu plano da virada e quais os desafios que precisou enfrentar?

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Voltou a estudar. Meta: Medicina

Eu optei por fazer aquilo que eu mais gostava de fazer: estudar. Decidi prestar o vestibular para Medicina e me matriculei em um cursinho pré-vestibular. Trabalhava de dia e estudava à noite. Nos fins de semana revisava as matérias e respondia exercícios até à exaustão. Consegui passar. Vibrei, chorei, gritei…fiz tudo que alguém tomado pela emoção, faz. Mas daí, por motivos que fugiam ao meu alcance, o sonho teve que ser adiado. Hoje, voltei para a sala de aula, retomei os estudos e vou tentar novamente o vestibular de medicina. Como recebi o convite para dar aula de redação e português em dois cursinhos, topei. É disso que vivo atualmente. Claro que estou com o desafio de conciliar a docência com os deveres de um vestibulando, mas estou tão feliz, que relógio, pra mim, hoje em dia, não me interessa. Minhas horas são tão felizes, que se eu pudesse as eternizava.

 

Como está sua rotina hoje? Quais os maiores ganhos que você obteve? E as perdas?

Perdi o convívio com colegas de trabalho, os  quais tenho profundo apreço. Essa foi a minha maior perda. Já os ganhos têm sido incalculáveis. Não sabia que eu tinha asas. Sou livre. E aproveito cada minuto dessa liberdade. Voltei a sorrir, a me emocionar, a dar um sincero ‘bom dia’ e a não ter medo de ser ouvido. Isso não tem preço.

O que essa mudança alterou na sua vida pessoal, nas suas finanças? 

Financeiramente, não sofri grandes impactos. Tenho praticamente a mesma remuneração de antes. O que mudou foi o processo de como essa remuneração chega até mim. Não tenho mais uma empresa que deposita o meu FGTS mensalmente, paga o meu plano de saúde, meu supermercado e me presenteia com cesta de Natal – coisas que a sociedade se espanta ao ver alguém abrindo mão em troca de sonhos. Agora, eu sou a minha empresa. O meu conhecimento é o meu patrão e, graças a Deus, está em dia comigo.

Nesta nova vida, os alunos já estão ensinando coisas novas a você?

Sim, ensinaram que me chamar de “Senhor” é apenas uma forma de respeito, quando eu achava que estavam me chamando de velho (Rsrsr). Além disso, têm me ensinado que o exercício da docência vai muito além de 45 minutos em pé, sujando a mão de pincel atômico. Ouvir suas angústias, seus medos, suas dúvidas…me faz parar e pensar que o ‘mundo não gira ao meu redor’. E cada vez que eles me dizem “Obrigado”, eu volto para casa com a certeza de que se eu não tivesse mudado a minha vida, continuaria ouvindo “Não, isso não pode”, para o resto da vida.

"Se você conseguir se visualizar fazendo o que gosta e com a mínima possibilidade de ter um retorno financeiro com isso, é hora de correr atrás e dar uma guinada na sua carreira"

Você foi aprovado para vestibular de Medicina, quando ainda estava empregado e teve que abrir mão do curso. Em que parte a Medicina entra na vida de um jornalista? Você vai dedicar-se a isso agora que pode organizar seu tempo?

Meu sonho foi apenas adiado. Não desisti de ser médico. Pouca gente sabe, mas em 1994, quando prestei vestibular para jornalismo, também prestei para medicina, e fui aprovado nos dois. Acabei optando por jornalismo e não me arrependo. Tudo que tenho devo à minha profissão. Porém, o que eu estava fazendo nos últimos cinco anos, profissionalmente, podia ser tudo, menos jornalismo. Essa insatisfação na carreira coincidiu com o fato de que, no ano passado minha mãe adoeceu, me fazendo perder o chão. Comecei a me dar conta de que o roteiro da vida tem fim, e que, infelizmente, alguns personagens dessa história são pessoas que amamos. Então, resolvi que ia ser médico – geriatra, de preferência – e me tornar um alicerce, um amuleto, para estar sempre perto da minha mãe nos momentos de saúde frágil. É isso que me move, isso que me motiva e o que me faz, todos dias, lutar para conseguir novamente entrar para a faculdade de medicina.

Se pudesse voltar atrás no tempo, o que teria feito diferente?

Teria respeitado mais os meus limites e arriscado mais nas coisas em que realmente eu acreditava e gostava de fazer.  Queria ter levantado mais a cabeça diante de um “Não”, de uma crítica pejorativa…queria ter discutido de igual pra igual e fazer valer as minhas ideias. Não fiz, perdi, o tempo passou. Restou-me corrigir a partir daqui.

Quais seus planos para o futuro?

Concluir minha pós-graduação em Docência do Ensino Superior, me formar em medicina e , com isso, além de médico, ser professor universitário de cursos de medicina do país.

O que você diria para pessoas que, assim como você, têm vontade de dar uma guinada na carreira, mas que deixam o medo falar mais alto?

As suas asas, quem dá é você!. Voe o mais alto que a felicidade puder alcançar. Não vale a pena acordar todos os dias e executar atividades que não arranquem o seu melhor sorriso. Pense, organize-se, veja em que posição de prioridades o dinheiro, e somente ele, está em sua vida. Se você conseguir se visualizar fazendo o que gosta e com a mínima possibilidade de ter um retorno financeiro com isso, é hora de correr atrás e dar uma guinada na sua carreira.