04_destaquePor: Liliane Moreira

 

Se você acha impossível o empregado trabalhar motivado durante décadas na mesma empresa, precisa ler esta entrevista que o Amo Meu Trabalho fez com o diretor de Comunicação da VALE, Paulo Henrique Soares. Ele é responsável pela Comunicação da Vale no Brasil e no mundo, com cerca de cem mil empregados. Chegou ao topo no organograma da Comunicação e poderia estar sem perspectivas depois de 21 anos na empresa. Mas basta conversar por 45 minutos com ele, como fizemos, para entender o porquê de ele estar na lista dos cem comunicadores mais influentes do mundo, eleito pela revista Holmes Report. Paulo Henrique é um provocador de suas próprias certezas. Atualmente, abraçou o desafio de ressignificar a Mineração quando nem ele tinha a certeza de que isso seria possível. E quando já estava quase entregando os pontos, encontrou uma referência fora da caixa. Analisou o novo perfil do cozinheiro, hoje elevado à categoria de Chef, uma profissão cada vez mais valorizada entre homens e mulheres. Se foi possível lá, por que não cá? E de pergunta em pergunta, ele vai achando respostas com sua equipe e dando sentido à sua carreira. “Acredito que a motivação está na pessoa”, diz. O site foi saber como ele faz para tê-la.

 Amo Meu Trabalho- Você é formado em Publicidade, mas iniciou sua carreira na Vale recebendo visitantes. Como foi esse início?

Eu fazia Publicidade, dava aulas de inglês e meu sonho era trabalhar numa empresa. Desde o início eu sabia que não seguiria a Publicidade em agência. Nos últimos dois anos da Faculdade, fiz estágio na fábrica da Coca-Cola, em Belo Horizonte (MG), exatamente onde eu queria. Ali, eu conheci um mundo na comunicação organizacional que eu não imaginava que existisse. Foi então que surgiu uma vaga de trainee na fábrica e claro que me inscrevi. Tinha a total convicção de que a vaga seria minha, uma vez que já havia passado pelo estágio. Era uma vaga só. Fiquei dois meses num processo seletivo desgastante, mas fui passando por todas as etapas. Na entrevista final, ficamos eu e outro candidato. Eu sabia que a vaga seria minha, mas não imaginava que ao final do processo recebêssemos o comunicado de que a vaga havia sido cancelada. Foi minha primeira decepção no início da carreira, e dá para imaginar o quão penoso é você sair de uma faculdade sem poder ingressar no trabalho que deseja. Assim, eu fui trabalhar numa agência de publicidade, mas bastou um mês ali para perceber que não seria a minha praia, pelo menos naquele momento. Foi quando recebi uma informação de que tinha uma vaga numa empresa chamada Vale do Rio Doce, da área de Mineração, para morar em Carajás (PA). Eu respondi que não conhecia esta empresa, não sabia onde ficava Carajás e nem poderia imaginar o que uma empresa de Mineração fazia. Mas fui para a entrevista mesmo assim. Aí soube que a vaga era para receber visitantes. Na hora tive uma resistência muito grande, por não ser na área em que estava me identificando, por ser de um assunto que eu não conhecia e também por ser distante de onde eu morava. Mas resolvi encarar. Entrei para ver o que acontecia.  Só não poderia imaginar que, em vez de uma oportunidade de trabalho, eu ganharia uma oportunidade de vida. Morei em Carajás por cinco anos. Peguei o processo de privatização – 1997-  e recebi a tarefa de montar a área de Comunicação em São Luís (MA), onde morei por três anos. Fui para Minas e Rio. Assumi a gerência geral das áreas de patrocínios e eventos. Voltei para Minas para assumir a Comunicação do Brasil inteiro e retornei para o Rio, onde nos últimos dois anos e meio assumi a diretoria.

“Para a contratação na Vale tive uma RESISTÊNCIA muito grande, por não ser na área em que eu estava me identificando, por ser de um assunto que eu não conhecia e também por ser distante de onde eu morava. Mas resolvi ENCARAR. Só não poderia imaginar que, em vez de uma oportunidade de trabalho, eu ganharia uma OPORTUNIDADE de vida”

AMT- Desde o início você foi aceitando os desafios. É esse o caminho para estar motivado?

A expectativa de que o mundo vai conspirar a nosso favor não é o caminho. Temos de ser ativos. É lógico que existem coisas que fogem ao nosso controle, como empresas que demitem, quebram. Mas sou da teoria que temos de tentar, mesmo para poder dizer que não funcionou. As pessoas que não tentam algo novo fazem pré-julgamento. E acredito que nós construímos nossa carreira, o nosso caminho. Eu não acredito numa coisa passiva. Se eu tenho um planejamento aonde quero estar daqui a dez anos, tenho que iniciar o caminho. E tenho que revê-lo a cada dois anos para saber se estou na direção certa. Penso que quem deseja uma carreira acadêmica, por exemplo, deve iniciar pelo Mestrado. E não sair de uma agência e começar a dar aula na Universidade. Você tem que ser ativo no processo.

“Sou da teoria que temos de TENTAR, mesmo para poder dizer que não funcionou. As pessoas que não tentam algo NOVO fazem pré-julgamento”

AMT- E no seu caso, que está há 21 anos caminhando na mesma empresa,  como é feito esse desafio diário?

Não sinto que estou esse tempo todo na mesma atividade porque já morei em vários lugares, já passei por áreas diferentes, com pessoas diferentes. A empresa também mudou. Mas eu também me motivaria se estivesse no mesmo local. A motivação está na pessoa, e não no outro, na organização. O fator desmotivação está muito em você. Você precisa se motivar.

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AMT- Como você faz?

Primeiro, estar trabalhando numa empresa que te dá condições de fazer, propor, é muito bom. Mas mesmo que eu não estivesse numa empresa assim, acho que eu teria que cavar isso. Mesmo trabalhando numa empresa de pequeno porte, pode ser interessante, desde que você se proponha a isso. O ser humano tem uma característica, da qual não gosto, de “Oh, céus! Oh, vida”. Mas não é por aí. O que você está fazendo como melhoria, além de cursos, treinamentos? Não estou falando só de conhecimento tradicional. Pega um trabalho voluntário de uma creche do seu bairro. Vai lá uma vez por semana. Se você tem fé, frequente uma igreja, participe!. Eu acredito nesse diferencial. Posso dar um exemplo do Prêmio Universitário Aberje (PUA). Os alunos da Universidade Federal do Maranhão que ganharam em segundo lugar na edição do ano passado estão descolados dos outros alunos. Por que só eles da Universidade se interessaram em participar? Ninguém mandou, não vale ponto, não vale nota. Tenho certeza de que eles farão diferença no futuro. Nossas escolhas podem alterar para o bem e para o mal. Cabe à gente buscar, questionar. Geralmente, os que não conseguem fazer isso são os que mais reclamam.

“Não gosto do perfil “Oh, céus! Oh , vida!” e de MAU CARÁTER. Parte técnica você pode aprimorar, mas caráter é difícil. A pessoa é ou não é ÉTICA”

AMT- Para sua equipe, qual o perfil ideal?

Numa equipe é preciso ter líderes, apoiadores e questionadores. As características podem ser positivas ou negativas dependendo do contexto. O líder tem que tirar de cada um o melhor. Existem pessoas excelentes em ideias, mas com nível de execução baixo. Combinar os dois é necessário numa equipe. O que não pode ter é  mau-humor, o perfil “Oh, céus! Oh , vida”, e mau caráter. Parte técnica você pode aprimorar, mas caráter é difícil. A pessoa é ou não é ética. Tem ou não tem proatividade.

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AMT- As áreas da Comunicação da Vale são bem definidas. Quem faz Assessoria de Imprensa não faz Comunicação Interna, por exemplo. Você não acha que permanecer numa mesma função limita o profissional?

No meu perfil, a mudança me faz bem, mas para outras pessoas pode ser que não. Eu não acho errado que o assessor queira ser assessor a vida inteira. Depende muito do perfil da pessoa. Conheço quem faça a mesma atividade e faz muito bem, por anos a fio. Conseguem trazer coisas novas, se reinventar o tempo todo.

AMT- Você chegou ao topo. Não tem mais para onde subir. E agora?

Existe ainda um desafio grande para mim. Precisamos ressignificar o setor Mineração para a população brasileira. Até pouco tempo eu achava que não seria possível. Que isso é histórico. Como fazer que uma atividade da Mineração, que era do garimpo e hoje é da indústria, seja percebida de uma forma mais próxima de todos? O minério está em muitos produtos do nosso dia a dia, e o desafio é saber como mostrar isso.

Mas analisei a profissão do chef de cozinha. Se há alguns anos eu dissesse para minha mãe que estou trabalhando na cozinha, minha mãe acharia muito estranho. Hoje, o que mais tem na TV são programas sobre Gastronomia. As pessoas passaram a ver a profissão de outra forma. Estou sendo muito raso na comparação. Mas é apenas para ilustrar que essa profissão foi ressignificada. E não foi um movimento intencional. Não foi a Associação dos Cozinheiros da Itália. Então, eu tenho muita coisa para fazer ainda.

AMT- Sobre o reconhecimento de estar entre os cem comunicadores mais influentes do mundo, somente você do Brasil, eu queria saber: o que é ser influente para você?

Primeiro, esse reconhecimento não teria sido possível sem a equipe. Eu aprendi com todos. Tanto com os que estão aqui quanto com os que já passaram pela Vale. Fazem parte disso. Mas, analisando esse reconhecimento, eu tive o cuidado de, em paralelo à Vale, ter buscado minha carreira acadêmica. Voltei para a Academia, fiz pós e dois anos de Mestrado. Na Academia eu exercitei o questionar, o perguntar. Então, não vejo mais sentido naquele profissional que faz tudo sem refletir. Por isso que eu afirmo que nem tudo o que se diz é consumido. Primeiro, a pessoa tem que ter acesso à informação que você deu. Depois, tem que ter entendido e manifestado uma reação, ter concordado ou discordado. E, por último, temos que analisar se atingimos o objetivo com aquela informação transmitida. Acredito que o reconhecimento por ser influente deve-se ao fato de que eu busco sempre saber se o que fiz na Comunicação atingiu meu objetivo. E é isso que nós da Comunicação precisamos fazer.  Tangibilizar nossas ações.  Muitos de nós reclamamos que nossa profissão não é reconhecida. Não é reconhecida porque não a fazemos ser. Temos de ser menos fazedor e mais influenciador. Se você for a um médico com uma dor, ele vai pedir exames para só depois dar o diagnóstico e indicar o tratamento. E na Comunicação, como é feito? Escreve aí um release. E o assessor vai e escreve na hora, apenas com os dados. Ninguém pergunta o porquê, para quê. A gente quer resolver, e resolve. Mas o que estou passando para as pessoas com essa postura? Que nossa profissão não precisa pensar. A gente tem uma parcela de contribuição, de responsabilidade.

“Temos de ser menos fazedor e mais INFLUENCIADOR. Se você for a um médico com uma dor, ele vai pedir exames para só depois dar o diagnóstico e indicar o tratamento. E na COMUNICAÇÃO, como é feito? Na hora.”

AMT- Quando vier sua aposentadoria, tem algum plano B para pôr em ação?

Meu pai, que era engenheiro metalúrgico, aposentou-se e continuou trabalhando como consultor. Mas eu gostaria de aposentar e dedicar meu tempo na Academia. Dar a contribuição de quem passou no mercado. Penso que é fundamental retornar à Academia o que a Academia me deu. Por isso, sempre que me convidam para palestras nas universidades eu vou. Eu acho que a vida nas organizações é densa, muita dedicação. Quero voltar a estudar e contribuir para uma sociedade melhor. Se as pessoas chegam à aposentadoria com a situação financeira resolvida, pode usar o tempo e os conhecimentos para ajudar ONG´s, entidades. Ou pode montar um plano de arrecadação de recursos para uma creche. Eu acho que iria nesta avenida, mas ainda falta um tempinho…