Colação de grau em Enfermagem

Nem nas divagações mais sonhadoras entre um plantão e outro como enfermeira, Larissa Tavares imaginou que um dia seria referência na área da confeitaria. Achava que seguiria a carreira na Administração, área onde atuou no início da vida profissional, ou na Enfermagem, sua vocação número 1. Até então, ela achava que era sua vocação número 1.
Formou-se enfermeira e trabalhou durante três anos com pacientes em estado grave. Até que a crise econômica no país, em 2016, reduziu as oportunidades na área da Saúde em São Luís (MA) e ela teve que mergulhar em si mesma, até encontrar outros talentos. “O que eu posso fazer para não ficar parada? O que dizem que faço bem?”, refletia.
Foi então que lembrou que nas festas em família seu nome era sempre cotado para levar os doces, em especial a torta de limão. Sem pensar muito para não perder a coragem, substituiu a tristeza de ver pacientes agonizando, muitas vezes sem poder fazer nada para mudar o quadro, pelas alegrias das celebrações. Investiu em cursos, buscou as receitas da mãe e arriscou sua primeira torta doce. Um ano depois da decisão mais arriscada e certeira da vida da Larissa, ela e o marido Leandro conduzem a confeitaria “Cantinho Doce”, em Jacaraípe, no Espírito Santo, e vendem cerca de 50 bolos por dia, além de outros produtos da loja. O Amo Meu Trabalho foi saber mais sobre como ela vem trilhando por este doce caminho.

Amo Meu Trabalho- Você gostava de atuar como enfermeira?
Larissa Tavares– Sim, gostava, inclusive me especializei em obstetrícia e neonatologia e também em enfermagem do trabalho.

Suponho que você deve ter tido de enfrentar situações difíceis, com pacientes com risco de morte. Quais eram os pontos de satisfação?
Fiz esta escolha pelo fato de tentar ajudar as pessoas de alguma forma, mas a minha maior dificuldade era lidar com o sofrimento e não poder fazer além do profissional, pois muitas vezes não dependia somente de mim. Como exemplo, posso citar a falta de material para trabalharmos, um lençol para se cobrir no leito. Isso me machucava e por isso fui ficando desiludida com a profissão, fora a questão da remuneração que era muito desvalorizada e no mercado há uma exigência absurda em cima do enfermeiro.

"Comecei a pensar o que eu sabia fazer,  a emanar energia para o que eu tinha em mãos. Pois meu tempo estava esgotando...

Mas, hoje, num extremo oposto, você trabalha com a alegria diária, com pessoas comemorando datas, encomendando seus doces e bolos. Como foi essa virada na carreira? Qual foi a primeira situação que fez você despertar para o seu segundo talento?
Sempre há um talento adormecido dentro de cada um de nós. Uma coisa eu sabia, não queria mais trabalhar com sofrimento. Já estava passando por um momento financeiro difícil, mas não sabia por onde recomeçar. Sou uma pessoa de fácil adaptação. Danço conforme a música. Sempre gostei de me manter equilibrada. Mas sem norte, sem direção, comecei a procurar alternativas que pudesse me identificar, e encontrei o artesanato. Fiz cursos, aprendi muito, cheguei a vender caixas e outros objetos, e até hoje amo realizar trabalhos relacionados ao artesanato. Mas a questão financeira continuava a pesar. E aí comecei a pensar o que eu sabia fazer. Comecei a emanar a energia para o que eu tinha em mãos. Pois meu tempo estava esgotando…

Então, lembrei que sempre que tinha festas eu levava doces, tortas, então foi aí que resolvi tentar este ramo. Deus estava me enviando um sinal, uma direção, um norte. Deixo bem claro que tudo isso foi obra de Deus na minha vida e vida da minha família. Sou só o instrumento que ele usou pra me mostrar qual caminho seguir. Liguei para minha mãe, ela me deu a receita de bolo tradicional e comecei a fazer com a ajuda dela, claro! No outro dia, comecei a divulgar nas redes sociais, fiz cartões de visita e recebi a primeira encomenda. Deu certo, continua dando certo.

"Pensei em desistir várias vezes, mas tinha que seguir firme e determinada"

Quais as dificuldades do início? A aprovação dos outros assustava você? Lembra de alguma situação em que teve que ouvir críticas negativas e pensou em desistir?
São várias as dificuldades. Não sabia como precificar o meu produto, se tinha lucro, a satisfação do cliente, enfim, a questão administrativa. Na realidade, o feedback das pessoas era sempre positivo, não lembro de ter recebido alguma crítica negativa. Mas eu tinha que me especializar se quisesse seguir. Pensei em desistir várias vezes, mas tinha que seguir firme e determinada.

Como fez para continuar determinada?
Eu não tinha outra opção, por conta do sustento da família, isso falava mais alto em meu coração. Naquele momento, todos precisavam de mim. Mesmo muito cansada, eu tinha mais força para lutar. Contei muito com a ajuda do meu marido e da minha família, que caminharam lado a lado comigo nessa empreitada.

Como era sua estrutura inicial? Contava com alguém da família para trabalhar junto?
Eu realizava toda produção na cozinha da minha casa. Contava com a ajuda do meu marido, da minha secretária, que vez por outra fazia um extra para mim e também da minha família. No inicio, o projeto mobilizou a todos da família, mas isso só fortaleceu ainda mais a nossa união. E também não posso deixar de mencionar o apoio e a ajuda dos meus amigos.

Qual foi a primeira entrega que fez você sentir orgulho do resultado?
A primeira entrega grande foi para uma tia do meu marido. Aniversário da filha dela. Encomendou os doces e o bolo. Quando fiz a entrega, recebi o valor relacionado ao pedido, entrei no carro e só conseguia agradecer a Deus. Liguei para minha mãe e pro meu marido e ela havia me dito que já havia outra encomenda. Tinha que apostar, sem dúvida era um sinal de Deus.

 

Quando você já estava formando sua clientela em São Luís, precisou mudar-se do Maranhão para o Espírito Santo. Deu medo de recomeçar num lugar onde não conhecia ninguém além da família?
Deu sim. Tive medo, receio, mas tinha uma grande certeza que eu estava caminhando para um novo ciclo, uma nova etapa da minha vida. Eu tinha que tentar. Antes de ir, fizemos uma pesquisa de mercado na cidade, relacionada à casa de bolos e, para nossa sorte, não havia nenhuma! Então, decidimos montar uma loja física. E tive a certeza de que continuaria neste ramo.

Quais foram seus passos para começar a formar seu grupo de clientes?
O passo principal é ter qualidade em todos os produtos e realizar um bom atendimento para que o cliente saia satisfeito. A divulgação diária também é muito importante para que sejamos cada vez mais conhecidos.

Quais os produtos que você iniciou vendendo e quais os produtos você oferece hoje, quase um ano depois?
Começamos vendendo somente bolos caseiros e de aniversário. Hoje oferecemos diversos tipos de cafés: cappuccino, expresso, além de donuts, sonhos, salgados fritos e assados, sucos naturais, bolos em fatia, bolo de pote, bem-casado com massa de biscoito e tradicional para casamentos, sucos detox, entre outros produtos.

"Estou sempre aprendendo alguma coisa nova"

O mercado de doces e bolos é bem concorrido, o que você oferece como diferencial da sua loja?
O nosso diferencial é a qualidade. O cliente gosta de um bom preço, mas com qualidade do produto. É o que a gente faz. Fiz cursos de bolos caseiros e também o curso renomado Mara Cakes, onde aprendemos sobre nakeds cakes, chalkboards, recheios e a manusear e fazer flores. Estou sempre aprendendo alguma coisa nova.

Com a confeiteira Mara Cakes

Qual o seu produto que mais vende?
O bolo de milho é o meu carro-chefe. Em segundo lugar, são os salgados fritos e os assados.

Campeão de vendas: bolo de milho

Em datas de maior pico, você chega a fazer quantos bolos por dia?
Cerca de 40 a 50 bolos caseiros por dia. E, em média, de 8 a 10 bolos de aniversário.

Imagino que em datas comemorativas, como Dia das Mães, você fique exausta. Como lida com o cansaço?

Há sempre os dois lados da moeda, o cansaço existe, mas foi uma escolha. E quando gostamos do que fazemos, as coisas se tornam mais leves. Sempre revezo com o Leandro, meu marido. Ele cuida da administração da loja e reveza na produção dos produtos comigo. Conto também com a ajuda de uma funcionária para realizar serviços gerais. E eu ainda tenho que cuidar da casa e da minha filha pequena. Mas é a vida que escolhi para mim.

Está valendo mais a pena trabalhar com confeitaria do que com enfermagem?
Sem dúvida alguma. Hoje em dia trabalho com a alegria diária, é fantástico. A energia que recebemos é o que nos impulsiona a continuar.

E na sua vida pessoal, quais os ganhos que a sua nova vida profissional proporcionou a você?
Tudo mudou. O fato de eu ter que mudar de cidade e viver longe da minha família fez com que eu amadurecesse mais e me ajudou a resolver os nossos problemas sozinhos. O meu relacionamento conjugal ganhou em confiança e cumplicidade.

Mas se houvesse uma reviravolta novamente na sua vida e você recebesse um convite tentador para voltar a trabalhar com a Enfermagem, você consideraria analisá-lo ou descartaria?
Eu tentaria conciliar. Se não desse, ficaria com a confeitaria.

Tendo a sua história como referência, você diria que é possível termos vários talentos dentro de nós?
Tenho certeza disso. É necessário fazer uma autorreflexão para saber o que você realmente gosta de fazer e incluir isso na sua lista de possíveis alternativas para se tornar uma realização profissional e ser feliz.

O que você diria ao profissional que está insatisfeito na atual profissão, mas que não sabe como encontrar outro talento para tentar novos rumos, como você fez?
Eu diria: arrisque! É melhor tentar e saber o que vai dar, do que nunca ter tentado. Sou muito feliz com minha escolha.