Por: Liliane Moreira

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Silen Ribeiro: coordenadora do “Roda de Diálogos” da Matraca

Enquanto eu escrevia esta entrevista, o Facebook avisava sobre o convite da agência de notícias Matraca para o “Roda de Diálogos”, atividade  do projeto “Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes: Difundir para Respeitar” com o tema “Gênero e Etnia”. Palestra gratuita com doutoranda da Universidade Federal do Maranhão. Mais uma vez, a incansável Matraca propondo reflexão, discussão, ação para mexer no que está quieto em São Luís. Provocar o jovem a ser protagonista da sua história.

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Paralelo ao convite, várias outras postagens surgiam na fanpage da agência sobre trabalho infantil, crianças com autismo, congelamento de verba para educação, enfim, a ONG Matraca reverberando direitos humanos da criança e adolescente, proposta defendida desde a fundação em 2003.

Fazia tempo que o Amo Meu Trabalho queria conversar com a Matraca. Saber como uma agência formada por jornalistas, RP´s, fotógrafos, comunicadores em geral, consegue manter-se fiel à missão inicial. A ONG iniciou suas atividades com duas pessoas, os jornalistas Marcelo Amorim e Lissandra Leite, que tinham o objetivo de divulgar o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – e apoiar os meios de comunicação maranhenses para a divulgação correta de fatos e terminologias.

Hoje são nove pessoas fixas, entre profissionais e estagiários, mas muitos parceiros em todo projeto que anuncia, incluindo empresas de grande porte. Tudo por conta da base sólida de CREDIBILIDADE.

Coordenando as rodas de diálogos, a Relações Públicas Silen Ribeiro. Foi para a agência como voluntária, um ano depois da fundação. Desde então, o principal trabalho da Silen é na Matraca, contrariando quem diz que fazer o bem não sustenta ninguém. Conversando com ela, a gente tem vontade de tirar todos os sonhos da gaveta e sair por aí melhorando o mundo, a começar pelo nosso mundo, nossa forma de pensar, tantas vezes limitada a boletos e cartões.

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Conversamos no intervalo de um evento da agência, sobre a importância das rádios comunitárias. Pela sua emoção demonstrada ao lembrar de situações de desamparo social vividas por crianças, eu vi que o Brasil pode ter jeito. Que tem gente preocupada, sim, com a desigualdade.  Em mim, a situação relatada provocou compaixão, mas Silen e o pessoal da Matraca vão além, eles partem para a ação. Eu quis aprender como fazer. Se você também quer, vamos conhecer um pouco mais a Silen nesta entrevista, então?

Amo Meu Trabalho- Trabalhar com projetos sociais sempre foi seu objetivo profissional?

Silen Ribeiro– Desde que eu me entendo por gente, queria fazer Comunicação. Eu ainda nem sabia que isso era Comunicação, mas queria fazer. E na minha casa, fazer Comunicação era um orgulho, pois meu pai (Wagner Baldez, membro do Comitê de Defesa da Ilha e um dos fundadores do Instituto Maria Aragão) gostava de escrever artigos em jornais, embora não fosse da área. As notícias eram sempre discutidas em casa. Então, eu ainda no curso de Relações Públicas na Universidade Federal do Maranhão, comecei a trabalhar num jornal. Iniciei como revisora de textos no Jornal de Hoje, em 1992. Eram textos de todas as editorias, eu ainda não estava atuando com direitos humanos. Eu não tinha a dimensão do quanto isso era forte dentro de mim. Só hoje, com 12 anos de trabalho na Matraca, é que vejo que meu envolvimento social passou pela minha formação familiar, por meu pai ser militante político. A causa do outro sempre foi uma tônica em minha casa.

A CAUSA do outro sempre foi uma tônica em minha casa

 De que forma o seu olhar para o social foi estimulado na sua casa?

Desde muito pequena. Eu passava as férias no bairro Maracanã, na zona rural de São Luís, e convivia com outras realidades. Vi crianças muito pobres e até questões envolvendo violência contra a mulher. Mas não tinha essa compreensão do que era. Apenas convivia. Lembro de crianças morrerem de desnutrição. Para muitos era um a menos para sofrer.

O pai, Wagner Baldez, em Cuba
O pai, Wagner Baldez: principal influência

Isso não foi muito impactante para sua realidade de criança?

Na minha casa, os fatos não eram escondidos. Claro que eram passados com uma linguagem infantil, mas eu sempre fui levada à realidade. Eu tinha menos de dez anos e me lembro de crianças carregando água na cabeça. Tudo isso era uma situação que chamava minha atenção. Na época, eu não sabia que eu poderia fazer alguma coisa para mudar esse quadro, mas hoje eu tenho essa leitura de que foram essas vivências que me influenciaram para a responsabilidade como cidadã, sobre o meu papel.

O que seu pai passava para você?

Ele sempre mostrou que o se importar com o outro não é ver o outro como um coitado. Não é filantropia. É responsabilidade social. Eu interfiro positivamente na situação do outro, mas o outro tem que fazer por ele. E eu sempre fui ligada a isso, até que em 2004 fui ser voluntária na Matraca onde pude exercer esse papel com mais força.  Eu me encontrei lá. 

Meu pai sempre mostrou que o se IMPORTAR com o outro não é ver o outro como um coitado. Não é filantropia. É responsabilidade social

Como é a rotina na Matraca?

Atuamos muito externamente, reunindo com parceiros, promovendo encontros, eventos etc. Até 2013 trabalhávamos somente por meio dos comunicadores. Formações, oficinas, seminários, palestras nas redações. A partir daí, começamos a ver que precisávamos trabalhar mais com adolescentes no protagonismo juvenil.

Silen e João Carlos Raposo em atividade
Silen e João Carlos Raposo em atividade

Somos muito exigentes conosco. Somos um grupo de amigos, mas muito  profissionais. Temos obrigações e prazos a cumprir. Tem que ter essa visão. Você pode ter mobilidade de horário, mas as entregas tem que ser realizadas. Não é questão de chefe, é determinação da Matraca.

Os fundadores Marcelo Amorim e Lissandra Leite participam de tudo, assim como outros parceiros distantes. Até os que foram estagiários e já saíram participam de alguma forma. Temos um lema que diz: “Uma vez matraqueiro, sempre matraqueiro”.

 

“Uma vez matraqueiro, SEMPRE matraqueiro”

Como a agência consegue a manutenção do espaço e a remuneração de seus profissionais?

A Matraca é uma ONG sem fins lucrativos e sua manutenção é através de projetos. Hoje, somos nove pessoas na agência. Somos profissionais remunerados e dependemos das parcerias.

Vocês já realizaram projetos com grandes empresas. Você atribui isso à credibilidade?

Fundadores Marcelo (de branco) e Lissandra (de preto) com equipe
Fundadores Marcelo Amorim (de branco) e Lissandra Leite (de preto) com equipe

Acredito que sim. A gente nem tem tanta noção disso. Não esqueço quando em 2013, na organização do IX Seminário Mídia, Infância e Adolescência no Maranhão, entramos em contato com o renomado jornalista Mauri Konig, da Gazeta do Povo, do Paraná , meio constrangidos, receosos de ele negar a participação sem remuneração num evento de porte estadual, sem visibilidade nacional. E nossa grande surpresa foi quando ele respondeu de imediato que conhecia o trabalho da Matraca e que só precisaria consultar a agenda dele para confirmar a presença. Ele veio sem ganhar nada! Fez a palestra “Jornalista e Direitos Humanos- Conexão Necessária”. Foi Maravilhoso!

Você falou em protagonismo juvenil. Como atrair o interesse do jovem pelas questões sociais? Vocês sentem dificuldade?

É um desafio. Os pais estão ávidos por soluções, mas a gente tem que ter calma, deixar claro qual é nosso papel. Abordamos temas como controle social, corrupção, direito à informação e violência aliados ao lúdico. Mas precisamos primeiro conversar com o adolescente, para não obrigá-lo a nada. Deixamos claro que existem deveres.  Quando vamos realizar uma oficina com eles, por exemplo, uma das primeiras coisas que falamos é o seu horário . Você quer ir? Quero. Mas é preciso ter responsabilidade. E isso funciona. Outro ponto: não podem participar só do lúdico. Não é aleatório, são temas ligados ao controle social.

Mas é muito compensador ver um adolescente que nunca saiu da comunidade entrar em contato com outro mundo através do conhecimento, da troca de vivências. Ele nunca mais será o mesmo. Às vezes, são temas densos. Por exemplo, falar sobre controle social. Como fazer com que um menino saiba o que significa isso. Por isso, é importante cairmos em campo. Uma coisa é a gente imaginar como é. Outra coisa é vermos, vivermos a realidade deles. Quando a gente vai para uma comunidade, a gente percebe que a violação dos direitos é muito grave. Não é clichê. Você tem que ir, ver e ouvir. Eu gosto muito de observar como o adolescente vive.

Quando a gente vai para uma comunidade, a gente percebe que a violação dos direitos é muito grave.     Não é CLICHÊ

Como vocês medem os resultados?

Ao final de um evento, fazemos avaliação geral e acho que até somos exigente demais. Mas temos que ser. E é certo que sempre vai ter gente para dizer que não viu nada de diferente acontecer, mas só quem tem sensibilidade percebe, por exemplo, que havia um adolescente que no início de uma  oficina sentava lá atrás, calado, e terminou falando sobre seus direitos e deveres. São avanços observados na rotina deles. Uma vez, uma aluna de 16 anos levantou e disse que sempre passou por canteiros de obras públicas e nunca teve interesse de ler a placa. A partir das oficinas, todas as placas que ela encontra ela quer saber o que está escrito ali, qual é a obra, valor, qual prazo para entrega. Isso é um avanço na cidadania! Saber como o dinheiro das pessoas está sendo empregado para poder cobrar, reconhecer.

Francisco Gonçalves, secretário de Direitos Humanos e Participação Popular- MA
Francisco Gonçalves, secretário de Direitos Humanos e Participação Popular- MA

Outro exemplo que nos emocionou foi num módulo sobre controle social. Falamos sobre a secretaria de Direitos Humanos e os jovens disseram que queriam ter um momento com o secretário de Estado dos Direitos Humanos, na época Francisco Gonçalves. Veja o início do empoderamento deles! Queriam uma reunião com o secretário! Nós fomos solicitar, mas estávamos preparados para uma negativa, devido à agenda comprometida de um secretário. Mas o Chico é o Chico! (risos).

Ele topou e foi conversar com os meninos. Mas foi a primeira reunião deles, e eles ficaram muito tímidos. Na reunião de avaliação, eles mesmos admitiram que não se prepararam, que deveriam ter se organizado melhor. Uns disseram que foram “meio devagar” (risos). Mas eles encararam como um desafio e pediram uma outra oportunidade, desta vez com o defensor púbico. E que fariam diferente. Formariam um círculo e agiriam como o programa de entrevistas “Roda Viva” da TV Cultura.

Gabriel Santana, defensor público- MA
Gabriel Santana, defensor público- MA

O defensor responsável pelo Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente, Gabriel Santana, aceitou nosso convite e foi excelente. Eles fizeram muitas perguntas. Ficaram duas horas além do horário previsto. Ao final, na avaliação, falaram orgulhosos de si mesmos que já sabiam o que é uma Defensoria Pública. Esse resultado é o que buscamos.  

O facilitador tem um papel importante para envolver o jovem nas palestras. Como é feita a seleção?

Sim, temos a responsabilidade de analisarmos tudo. Existem os que interagem melhor com universitários, outros com adolescentes. A gente costuma dar o feedback positivo ou negativo, pois precisamos ter muito cuidado com a abordagem. Numa temática mais densa como a violência sexual, por exemplo, é preciso muito cuidado para não tocar em alguma ferida e deixá-la exposta. Certa vez, uma participante começou a desabafar, a falar da violência doméstica pela qual sofria, e a formadora precisou intervir para que ela não expusesse tanto sua vida. Pediu para falar com ela depois, em particular.

Temos parceiros formadores com essa habilidade. Quando temos uma suspeita envolvendo crianças, compartilhamos com o professor para que ele encaminhe a suspeita aos órgãos. É dever do profissional de saúde e educação não ser omisso. Eles podem ser punidos se perceberem algo errado e não denunciarem. A denúncia não precisa provas, mas suspeitas.

 É dever do profissional de saúde e educação não ser OMISSO. Eles podem ser punidos se perceberem algo errado e não denunciarem. A denúncia não precisa provas, mas SUSPEITAS

As crianças revelam com facilidade o abuso sexual ou são oprimidas pelo medo da punição?

Elas expressam melhor quando utilizamos o lúdico. Certa vez, estávamos falando de violência sexual. Para isso, utilizamos um boletim temático. O exercício era o de marcar verdadeiro ou falso. E a partir daí eles tentavam justificar a resposta e a gente fazia a abordagem necessária.

Além da violência sexual, que outro tema é recorrente nas comunidades?

A violência generalizada. O medo de serem agredidos na escola, de serem assaltados. Uma vez, os adolescentes propuseram um concurso de cartas e desenhos sobre segurança para as turmas da faixa etária de nove anos. Queriam fazer um evento com isso. Ideia deles. Eu pensava que não daria certo. Que as crianças não conseguiriam escrever nada. Mas fiquei abismada com as cartas e desenhos. Escreveram depoimentos sobre medo de assalto, medo de a escola ser invadida, medo de ir ao banheiro, medo do trajeto. Tudo com linguagem bem infantil, mas muito preocupante. Os três primeiros viraram banners, todos desenhos com armas. Um dos desenhos chamou mais minha atenção, pois continha grades, mas como se a criança estivesse presa na escola.

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O que vocês fazem com essas informações?

Direcionamos para diversos espaços para que providências necessárias sejam tomadas, de acordo com as particularidades.

Quando você sente que seu dever foi cumprido?

A gente pensa que está valendo a pena quando recebe depoimento como o que ocorreu num seminário de Educação organizado na Federação das Indústrias do Maranhão. Convidaram a Matraca para falar sobre controle social. Ao final, uma pessoa levantou-se e disse que não queria perguntar, queria apenas comentar que ela conhece a Matraca desde a adolescência e que deve à Matraca o que ela aprendeu e apreendeu na vida. Ela disse que hoje é uma profissional da Educação, na área do Maracanã.

O bairro onde você passava suas férias quando criança?

Pois é…Para você ver…Eu posso até desenvolver outros projetos paralelos à Matraca, ocupar outros espaços, mas sempre estarei ligada aos direitos humanos. É o que eu acredito. Não é média.

Comemoração dos 12 anos da Matraca (2015)
Comemoração dos 12 anos da Matraca (2015)

Como vocês conseguem manter viva a missão da Matraca nesses 13 anos?

Como diz Lissandra, nós somos um bando de gente que se importa. A gente pensa muito parecido. Não trabalho lá por acaso, mas porque lá eu acho que faço melhor o meu papel. Nós somos muito ansiosos com resultados e muitas vezes a gente pensa que não está dando jeito, fica desanimado, mas aí vem algo que diz que estamos no caminho certo. Se você me perguntar onde me sinto mais feliz, eu acho que é neste espaço.

 

Não trabalho lá por acaso, mas porque lá eu

acho que faço melhor o MEU PAPEL

Você tem algum projeto paralelo que gostaria de desenvolver?

Tenho vontade de trabalhar a questão da educação patrimonial para adolescente. Para os meninos conhecerem a conservação do patrimônio, o que isso vai contribuir para a história deles. Eu gostaria de trabalhar com isso, mas teria que conciliar meu tempo com as atividades da Matraca (risos). Eu nunca vou ser rica! (muitos risos), mas é uma opção de vida. Eu acompanho as inscrições dos eventos, vejo quem está curtindo nas redes sociais, me dá um prazer enorme acompanhar tudo. Não acho que seja utopia trabalhar com o social, acho que é respeito pelo outro. Sempre fiquei muito impressionada com os pequenos gestos, desde ceder lugar ao idoso num ônibus, e esses trabalhos servem para o meu dia a dia. Para eu questionar como estou agindo, como está minha ética. A Matraca me faz estar sempre numa boa vigilância.