Por: Liliane Moreira

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Está menos penoso para o artista ir aonde o povo está. A boleia de caminhão poeticamente cantada por Milton Nascimento cede espaço para o canal do YouTube. Por outro lado, se nos bailes da vida não importava se quem pagou quis ouvir, agora quem ouve não precisa nem pagar. Então, o artista continua com o desafio de buscar o caminho que vai dar no sol, e tem que andar por entre os atalhos do YouTube, Streaming, Deezer, aTube Catcher, Spotify, entre outros, para chegar à remuneração financeira. Como estão fazendo?

Uma saída é não resistir ao novo, adaptar-se às invenções tecnológicas. Outra via é investir em projetos culturais patrocinados. A cantora e compositora maranhense Luciana Simões preferiu unir esses dois caminhos. Com o parceiro Alê Muniz,  organiza o Festival BR-135, em São Luís, e viabiliza seus projetos através de patrocínios, leis de incentivo à cultura, monetização do YouTube, entre outras alternativas para, como ela diz: “viver da arte, pela arte, para a arte”. O Amo Meu Trabalho foi saber como ela pôs o pé nesta profissão, se sempre foi assim e se assim será.

Itaú Cultural - RUMOS 2011 - Show da banda Criolina. Data: 25/02/2011. Foto: Rubens Chiri/Perspectiva

Amo Meu Trabalho- Você transmite muita entrega nas apresentações. Sua escolha pela arte foi certeira? É o que você ama fazer?reaggae

Luciana Simões– Eu amo muito o que eu faço. Não sei fazer outra coisa!! (risos) E sempre foi assim, desde quando comecei a cantar, aos 14 anos, no Coral São João. Depois, passei dez anos cantando reggae e, do mesmo jeito, com muita entrega. Em 2004, eu e Alê começamos a fazer um trabalho juntos, o Criolina, e continuamos criando e cantando juntos até hoje.

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Vocês dois têm muita sintonia no palco, nos clipes. Como funciona a seleção de trabalhos entre vocês?

Apesar de a gente ter formações diferentes, tudo desemboca em coisas bem parecidas. Não existe censura entre nós porque a gente sempre entra em acordo por gostar das mesmas coisas. É muito tranquilo isso. A gente costuma compor as canções que a gente canta. Mais de 90% do que cantamos é de nossa autoria.

Incluindo aí marchinhas de Carnaval…E participam do São João nos arraiais da cidade. Produzem para o ano todo?

No Carnaval, a gente sempre faz alguma coisa diferente. Já fizemos várias marchinhas. Também gostamos de participar do São João. A gente procura produzir um calendário para o ano inteiro, pois nossa profissão é essa.

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Você fala sempre em produção e profissão, pressupondo agenda organizada. É possível conciliar o lado de criação do artista com essa parte burocrática?

Isso é necessário. A gente precisa ter os pés no chão. O artista tem que produzir, criar, mas tem que cuidar dos bastidores, da produção. Nem sempre é bom, gostaríamos de estar mais focados nas composições, nos arranjos, mas sabemos que é assim que funciona. Durante muito tempo, o perfil de artista foi consolidado como aquele que só queria se divertir, mas hoje não é mais assim, nem pode ser mais assim.

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Como vocês reinventam caminhos para viver da arte hoje, com tantos aplicativos e canais de acesso grátis às canções, aos shows?

É uma luta diária. A música é a linguagem que mais sofreu impacto com a mudança da tecnologia. Em 2004, quando começamos no Criolina,  já estava mudando de CD para download. De lá para cá, foi tudo muito rápido, então a gente tinha que parar todo dia para entender o que estava acontecendo. Agora, nem baixar música mais é preciso. Pelo streaming, basta clicar e ouvir. É importante vermos o que estão fazendo por aí. Além de compor, de criar as nossas músicas, a proposta de nossos discos, a gente tem que enxergar nossa vida musical pelo lado da profissão. Não existe mais uma gravadora babá do artista. O artista tem que saber entrar em edital, saber se conectar com as pessoas, criar redes. E a gente foi caminhando dessa forma.

O Festival BR-135 nasceu por essa necessidade de conexão?

O projeto veio para afinar o coro dos descontentes. Tinha muita gente que queria mudar isso e aquilo, era muita coisa de que se reclamava, e resolvemos partir para uma ação. Começamos a reunir e decidimos montar o projeto para todos terem onde apresentar seus trabalhos. Era uma coisa que fazia falta para a gente. A necessidade de a gente buscar palco, estrutura boa e ocasiões boas fez com que a gente fosse atrás de um projeto assim.

O projeto veio para afinar o coro dos DESCONTENTES

Mas ele não nasceu grande como o desta edição de 2015, que haverá participação do Arnaldo Antunes, certo? Como começou?

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Nunca! (risos). Começamos como um grupo de artistas do Maranhão, no Circo da Cidade, sem estrutura. Mas não queríamos esperar a ocasião perfeita para iniciar, foi com o que tinha. Ali, a gente conversava sobre o que queria para a cidade, e começou a chamar a atenção. Começamos uma vez por mês. E todo mês era uma zanga, uma confusão, para conseguir a mesa de som, o cara que faz vídeo e tal. A gente dividia a bilheteria para todo mundo. No segundo ano, a gente fez diferente, com apoio de empresas. E batizamos o grupo de “Liga da Cultura”, com a missão de defender nossa vontade de fazer arte.

Havia a Lei Estadual de Incentivo à Cultura que não estava funcionando, mas fomos buscar apoio de um advogado para colaborar para a aplicação da lei. A gente enviou ofícios, pressionou, e começou a entender que, para termos projetos com qualidade, seria necessário passar por este caminho, pois todo mundo precisava receber pelo seu trabalho. Vivemos da arte, pela arte, para a arte. Existe toda uma estrutura por trás de uma apresentação: som, iluminação, divulgação, assessoria de imprensa. Sem recursos para contratar, fica inviável. Quando a gente começou a ver quantos profissionais estavam envolvidos, percebeu que o evento era mobilizado por uma cadeia de pessoas que estavam acreditando naquilo. Passamos a organizar o Festival através de editais, patrocínios, lei de incentivo para trazer oficinas, palestrantes de todo o país para trocar ideias com a classe artística do Maranhão .

Formamos o grupo “LIGA da Cultura” para defender nossa vontade de fazer arte

Na programação do Festival existe a oportunidade de discutir a arte como negócio, através do “Conecta Música”. Que tipo de informação interessa nessa discussão?

Abordamos sobre os caminhos que o artista pode seguir para viabilizar financeiramente sua arte. Por exemplo, vamos falar sobre o mercado digital. Será que o artista disponibilizou suas músicas para download?  Vamos discutir também sobre o YouTube. O artista pode nem saber que tem gente que pode estar ganhando dinheiro com as veiculações das músicas dele. Se o artista não sabe, não quer ou não tem tempo para fazer isso, ele precisa saber que existem empresas que organizam isso para ele e repassam o faturamento. Os patrocinadores vão lá no YouTube e colocam banners com anúncio. A cada visualização do clipe dele, o YouTube está ganhando dinheiro. E o artista está sem saber que precisa colocar uma conta para o YouTube depositar.

Por isso, o “Conecta Música” é interessante. E a gente vai somando, pois ninguém sabe o que será amanhã, qual será o outro passo que a gente terá que se adaptar. É fundamental que a gente se reúna e crie esses ambientes de encontro com artistas de fora. Toda história interessa para a gente, porque a gente também tem nossa história que pode interessar para alguém.

O artista pode nem saber que tem gente ganhando DINHEIRO com a música dele no YouTube

Começou com encontro mensal e passou a anual. E não apenas com bandas do Maranhão. Como está a estrutura de 2015?

Para termos mais tempo para a organização, o Festival agora é uma vez por ano. Abrimos as inscrições para o Brasil inteiro, sem critérios de gênero musical. Recebemos 331 inscrições através da plataforma digital “Toque no Brasil”, e  a única exigência da plataforma é que a banda seja brasileira. A curadoria selecionou 15 bandas. Haverá cachê para todos os que participam. O Festival terá ainda oito convidados, mais palestrantes, oficineiros, jornalistas de rede Nacional, como TV Cultura, e gestores de festivais do Brasil inteiro, como do Abril Pro Rock, de Pernambuco. Eles vão receber material dos artistas das bandas, conversar com todo mundo.

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Você tem percepção que a iniciativa de vocês altera positivamente o cenário na arte do Maranhão? Que os temas discutidos, as apresentações, os contatos realizados podem multiplicar novos projetos?

A gente não tem essa percepção. A gente faz o que acredita ser bom para a cidade, para o artista. Mobilizamos aqui porque não acreditamos que precisamos mudar do nosso Estado para o eixo Rio-SP para viver da nossa música.  A contribuição que podemos deixar é a de ocupar a cidade através da arte, enxergar o quanto o Centro Histórico irradia arte para o restante da cidade, o quanto precisamos olhar com carinho para todos que estão fazendo arte. Acho que é preciso ter um olhar de muita compreensão para o que outro está fazendo.

Depois do Festival, novos projetos na manga?

A gente está com várias músicas novas! Há uns três meses a gente lançou o vídeo de uma delas, “Criolina Latino-Americano”, gravado em São Paulo numa casa que é ocupação artística.

Você precisa pensar sobre o que é fazer SUCESSO

O que você diria ao artista que deseja viver de arte e pensa em desistir devido às dificuldades financeiras?

A persistência é uma coisa importante para quem faz arte. E outra coisa muito importante é você saber colocar-se dentro dessa roda, dessa ciranda que é fazer arte. Você precisa pensar sobre o que é fazer sucesso. Fazer sucesso para mim é fazer música, é viver do que eu faço.  Necessariamente, eu não preciso estar sempre na TV para ter sucesso. Eu acho que tem muito isso, de a pessoa organizar seu sentimento com o que é. Eu só posso fazer música se for para fazer sucesso nacionalmente? Se for assim, é provável que eu vá desistir. Para possibilitar que o sonho se concretize, é preciso saber que existem vários lugares a serem ocupados dentro dessa ciranda da arte, da cultura. Existe artista fazendo arte na rua, existe professor que ensina arte. Se tu amas fazer isso, existe um espaço que tu podes ocupar, com certeza.